Primeiro Capítulo: O QUARTO REICH

de M.A.Costa
(degustação)




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O que falam por aí:

Ione Mattos
“É um livro instigante, do tipo que prende o leitor ao exercício de imaginação do autor, M. A. Costa.”

Cleber Tavares
“Pretendia ler ao longo da semana, mas quando o Rudolf Hess falou do sino, simplesmente tive que parar tudo e ler direto até o final.”

Gisele Dute
“A leitura fluiu rapidamente e em poucos minutos eu não conseguia desgrudar mais meus olhos do Kindle.”

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COPYRIGHT
Copyright © 2016 by M. A. Costa
Direitos desta edição reservados à M.A.Costa
Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.
1a Edição.

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Nota do autor

Esta é uma obra de ficção. Apesar de basear-se em documentos reais e em personagens, na sua maioria, também reais, as premissas do enredo e muitos eventos são frutos da imaginação.
Juntar peças de um quebra-cabeça histórico, com fotos, documentos e depoimentos e imaginar o que poderia ter acontecido é um dos mais prazerosos exercícios de criatividade. E, às vezes, as evidências apontam numa direção oposta à real ou, ainda, de difícil crença. É aí a morada do escritor ficcionista: aproveitando estes farelos de informação para construir uma imagem completa, rica e curiosa que bem poderia ser verdadeira.

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Índice
A Suposta Morte de Hitler
A estranha morte de Rudolf Hess
Incidente Kecksburg
Arquivos Secretos
Bibliografia e referências web
Leia um trecho de ‘Redenção – Legionella’

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Apresentação


Quando comecei a reler sobre a Segunda Guerra Mundial e mais especificamente o nazismo - temas que sempre me causou muita curiosidade desde a adolescência – pouco imaginava que esbarraria num grande mistério, num grande segredo nazista nunca antes revelado.
Qualquer aficionado pelo tema sabe bem dos segredos militares nazistas: toda ou quase toda pesquisa deles era voltada para tecnologia militar e, se tivessem mais tempo, historiadores militares são unânimes em afirmar que o resultado final da guerra poderia ter sido outro. Ainda bem que o tempo trabalhou contra eles.
Reli e aprofundei meus conhecimentos sobre os planos de Hitler para artefatos explosivos impressionantes, aeronaves que se voassem pareceriam extraterrestres, ciência que faria autores de ficção científica ruborescer. Também não seria grande novidade para mim a (re)descoberta de sociedades secretas – muito já foi pesquisado e explorado a respeito destas. Alguns acreditam até que os nazistas tinham poderes místicos mas este escritor não é adepto desta linha de pensamento.
O que me impressionou de verdade – e isto sim acredito fielmente – é o que descrevo nestas breves linhas: um plano praticamente infalível para garantir o sucesso de Adolf Hitler, a conquista do mundo e a imposição do seu modo de pensar e viver.
Ao desenvolver minhas pesquisas – que consumiram incontáveis horas debruçados em milhares e milhares de páginas sobre o assunto, pesquisas em bibliotecas e entrevistas com especialistas – fui puxando o fio deste novelo. Algo que acredito ser um dos mais bem guardados segredos nazistas de todos os tempos.
As provas estão aí. Disponíveis a quem as buscar, conectar os pontos e acreditar. O que faremos com estas informações depende apenas de nós mesmo pois – dado o tempo (e agora o tempo está ao lado deles) a verdade irá transparecer.
Portanto, sem querer vestir o chapéu de historiador, muito menos de alarmista – até porque eu acredito na humanidade e que, acima de tudo, o bem sempre prevalecerá – peço sua atenção. Sua cuidadosa atenção. Abra sua mente pois sua vida está para se tornar bem mais interessante e...apavorante.

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Prólogo


Março 1987
Abro os olhos. Um luz forte penetra como uma adaga me forçando a fechá-los novamente. Abro só um pouco agora, pisco. A luz brilhante ainda está lá. A dor cede lentamente. Franzo os olhos, começo a discernir imagens. Reconheço um teto azulado. Um ventilador rodando lentamente. Sinto calor nos braços. Ouço murmúrios. Fecho os olhos novamente.
Conversas, sons altos, várias pessoas. Estou ouvindo, não estou compreendendo. Consigo discernir um bipe intermitente pulsando em intervalos regulares. Ouço o som da minha respiração. Onde estou? O que está acontecendo?
Ouço ‘James’. Meu nome. Alguém diz meu nome. ‘Está evoluindo’. Tenho quase certeza de que ouvi isto. Ouço um barulho seco como uma porta se fechando – ou abrindo. Tento abrir os olhos novamente. Desta vez consigo abrir. Estou numa escuridão quase total. Sinto uma dor de cabeça lancinante e tento levar minha mão a ela mas não consigo. Estou deitado, agora percebo. Vejo o mesmo ventilador de teto girando lentamente. Ouço o mesmo bipe cadenciado. Olho para baixo e percebo um objeto na minha boca. Um tubo azulado se projetando para fora. Tento falar e não consigo.
Consigo virar a cabeça levemente para o lado direito. Vejo uma janela com persianas abertas e lá fora só a noite. Viro para a esquerda e vejo uma porta, vejo uma máquina com um visor e números. O bipe vem dali.
Tento mexer meu braço direito mas ele não vem. Tento mexer o esquerdo e ele também não obedece. Começo a respirar acelerado. Começo a me apavorar. O que está acontecendo?
Tento falar, gritar, mas o tubo não permite. Quero arrancá-lo ele mas meus braços não mexem. Tento mexer minhas pernas mas consigo apenas sacudir os pés.
Começo a suar, começo a me desesperar. Estou sozinho, ninguém para ajudar. O que pode ter acontecido? Tento me lembrar como vim parar aqui mas recordo-me apenas de estar na Alemanha para entrevistar Rudolf Hess, o nazista.
Minhas lembranças não retornam. Não consigo achar uma explicação e não consigo compreender o que faço aqui nem porque não consigo me mexer. Tento de novo: braços, pernas, pés. O máximo que consigo é balançar os pés, é subir e deixar cair o braço. Exausto, adormeço.


Sinto calor na minha pele. Ouço sons de conversas. Cada vez mais e mais altos. Uma emoção toma conta instantânea de mim e abro os olhos para ver quem está aqui. Dor lancinante. Aquela luz penetrando meus olhos. Havia me esquecido dela.
Abro-os lentamente desta vez. Mais contraídos que abertos. Deixo a vista se acostumar novamente com a luz do sol. Pisco sem parar, contraio forte, consigo abrir os olhos. Vejo duas pessoas conversando: uma de jaleco branco o outro não me é estranho. Tento falar mas não consigo. Ainda estou com o tubo. Tento mexer os braços mas os movimentos são pífios. Eles saem do quarto. Adormeço junto com uma lágrima que escorre.


Acordo quase que assustado. Sinto-me invadido por sons, cheiros e calor. Sinto a dor da luz brilhante do sol mas desta vez ela passa rápido. Olho em volta e agora são três pessoas ao meu redor debruçados, olhando-me. Ray Cave abre um sorriso ao ver que abri os olhos. Reconheceria meu editor-chefe e amigo em qualquer lugar. Aquele rosto sisudo com nariz proeminente num corpo franzino que tanto me acompanhou nesses últimos anos.
À esquerda vejo um homem de jaleco branco e ao pé da cama, quase fora da minha visão, uma mulher. Reconheço o boné de enfermeira, ouço o som do bipe cadenciado, o cheiro de éter típico de hospital. Enfermeira, homem de jaleco e meu estranho estado denunciam que estou internado.
O homem que aparenta ser médico me diz para ‘ficar calmo’.
--- Você está no Hospital Central de Berlim Oriental. Você sofreu um acidente, estava em coma, mas já está fora de perigo. Em breve poderá ir para casa.
Adormeço.

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Capítulo 1
Time, Pulitzer, Moretti




Agosto, 1986, Nova Iorque, 8:50 da manhã. Corro apressado, atrasado como sempre. Atravesso as portas giratórias da 255 Liberty Street e miro nos elevadores. A reunião semanal de pauta começa impreterivelmente às 8:30 toda segunda-feira e meu editor-chefe, Ray Cave, nunca atrasa. Nunca.
A sala de reunião está cheia. Ray me olha de lado, sério, sem me cumprimentar e continua o que estava falando. Me espremo contra a parede em pé mesmo pois hoje, além dos editores das sessões da revista Time todos os jornalistas de campo, de Nova Iorque, estão aqui para a reunião. Esta reunião é diferente e talvez por isto eu tenha atrasado sem planejar. É uma reunião de ovação ao Leonardo Moretti, que é agora oficialmente o novo preferido do chefe. Moretti está sendo homenageado hoje mas nem precisava pois já fora homenageado na sexta à noite: ganhou o Pulitzer pela reportagem sobre a explosão terrorista do voo 182 da Air Índia[1]. Moretti é o jornalista responsável pela pauta ‘Mundo’ e em junho deste ano ele ‘ganhou’ um presente: uma explosão de um avião. O pesadelo para muitos geralmente é uma dádiva para o jornalista. Não tenho vergonha em dizer que nos alimentamos da tragédia humana. Bem, tenho um pouco de vergonha sim.
Esta sexta foi inesquecível: coloquei meu smoking, fomos eu e minha esposa Carla e seu longo roxo assistir à glória do garoto-prodígio Moretti. A noite foi dele mas a madrugada foi minha. Comecei bebendo whisky na cerimônia e só parei em casa depois que havia vomitado todos os hors-d’oeuvres da festa. Carla odeia quando bebo assim. Ela vem de uma tradicional família protestante da Nova Inglaterra e, além do vinho comunal, raramente bebe. Um champanhe para brindar aqui ou ali faz parte mas além disto ela é quase abstêmia. Mas apesar das suas reclamações e caras feias ela teve que me dar algum espaço desta vez. Afinal era o garoto-prodígio tomando o lugar de honra que deveria ser meu.
Leonardo Moretti deve estar com seus 36 anos. Entrou na Time depois do estágio e posterior contratação pelo New York Times. Tem um currículo impecável que inclui a prestigiosa universidade Columbia. Deve ter ficado uns três anos como jornalista auxiliar de Stephany Morgan – responsável até então pela pauta ‘Mundo – e, quando ela foi transferida para a sucursal de Londres, ele automaticamente ganhou um promoção. Ray Cave já chamava ele de garoto-prodígio desde sua contratação. Ou Ray percebera o talento logo cedo no garoto ou apenas torcia para que isto se torna-se verdade. E agora, apena seis anos depois, ele conquistou o maior prêmio do jornalismo. Um prêmio que a maioria dos jornalistas nunca verá em suas longas e tediosas carreiras.
Como eu disse antes: ele conquistou este prêmio após fazer uma reportagem fantástica (odeio admitir) sobre o voo 182. Assim que a tragédia ganhou a grande mídia ele voou para Montreal para entrevistar os familiares do mortos e os investigadores. Além de traçar um perfil emocionante dos mortos e sobreviventes, quase por acaso acompanhou a caçada aos perpetradores que levou à prisão – e posterior julgamento – de apenas um homem, o canadense de origem indiana: Inderjit Singh Reya. Moretti consegui uma exclusiva com ele e por isto foi aplaudido.
Mas verdade seja dita, além deste esforço enorme, a dedicação e o risco que Moretti correu ele escreveu com maestria, seu artigo – na verdade uma série de três – não deixando pedra sobre pedra, explorou os culpados pela falha de segurança aeroportuária, as origens do perpetrador e a fantástica caçada para localizar e prendê-lo. Se eu fosse julgador acho que também votaria nele.
Meu problema com Moretti é que ele é sarcástico, metido, arrogante e jovem. Se não fosse isto até poderia gostaria dele. Ah, mentira. Não poderia não. Ele sempre me provoca, sempre sugere pautas para mim nas reuniões semanais, e acaba sendo uma sombra – ou referência – para Ray e, assim, Ray provoca os outros jornalistas: “quem vai me trazer uma reportagem boa como a do Moretti”, “só Moretti traz ideias novas aqui” e por aí vai. Admito que meu problema com ele é maior que o dos meus colegas mas não se enganem, ninguém - eu disse ninguém - gosta de um garoto-prodígio fazendo sombra.
Ray continua a ladainha sobre Moretti. Entre aplausos e risos ficamos sabendo de toda trajetória profissional dele até a glória. Meu editor-chefe me cobra o fato que minha última grande reportagem - a que teve maior repercussão – já tem cinco anos. Foi um perfil de Jimmy Carter no seu último ano na Casa Branca. Jimmy Carter: seu último ano na presidência mostrou um presidente cansado do cargo e contando os dias para se aposentar. Manchado pelo fracasso da operação ‘Garra de Águia’[2] tudo que consegui apurar sobre o democrata é que ele queria ir para casa, queria paz e esquecimento. Poucos jornalistas tiveram a coragem de descrever os últimos dias de Carter assim e, talvez por esta linguagem, talvez pela profundidade do artigo, acabei ganhando respeito do setor. Mas não o suficiente para ganhar o Pulitzer.
-- Williams – Ray Cave só me chama pelo sobrenome.
A reunião havia acabado e todos se dirigiam aos seus afazeres. Ray grita meu nome e me chama para caminhar com ele em direção à sua sala.
-- Fala chefe.
-- Quando você vai trazer uma reportagem boa como a do Moretti? Já faz muito tempo daquela do Carter. Não dá para ficar vivendo dos louros do passado para sempre Williams.
-- Não sei chefe, tenho pensado muito. Tem uma ou duas pautas que passam pela minha mente mas ainda não me decidi.
-- Williams, deixa eu te dizer algo do alto dos meus quarenta anos de jornalismo: ou você faz a notícia ou alguém fará ela por você. E se isto acontecer um dia você poderá acordar debaixo da ponte. Isto não é uma ameaça de seu chefe, é apenas uma fato da vida. Em todos os lugares garotos como o Moretti estão sedentos, esfomeados, comendo os espaços dos outros.
As palavras de Ray tem se tornado cada vez mais ásperas. Sei ler o que está por trás do seu jeito despojado e direto de falar: ele quer resultados. Ele é cobrado e assim nos cobra.
-- Como disse chefe estou com duas pautas em mente: um perfil dos astronautas mortos no acidente da Challenger[3] ou um perfil dos nazistas que não foram condenados à morte em Nuremberg[4],.
-- O acidente da Challenger já foi muito explorado mas me explique melhor porque você teve esta ideia envolvendo nazistas. Gosto muito do tema. Geralmente gera muita repercussão mas tenho receio de estar muito ‘batido’ -- pergunta-me Ray.
-- Minha ótica será diferente das reportagens que já foram feitas. Primeiramente estamos comemorando 40 anos do julgamento de Nuremberg em segundo lugar, ao invés de focar nos condenados à morte – estamos todos cansados das reportagens sobre ‘as grandes mentes do mal’ – que tal focarmos nos principais absolvidos ou condenado à prisão perpetua? Imaginei uma série de sete reportagens – uma por semana – começando com o primeiro ministro nomeado por Hitler: Karl Donitz e depois todos os outros que sobreviveram à Nuremberg. Deixe ver os nomes... -- abrindo meu caderninho localizo minhas anotações -- Hans Fritzche, Franz von Papen, Dr. Hjalmar Schacht, Baldur von Schirach, Albert Speer.
-- Estão todos vivos ? Espanta-se Ray.
-- Não chefe estão todos mortos...
-- Porra! Então de que adianta esta reportagem?
-- Calma chefe, a cereja do bolo vem por último. Eu falei seis nomes, certo? O sétimo e mais importante está vivo ainda: Rudolf Hess, amigo pessoal e braço direito do Führer!
Os olhos de Ray brilharam. Sei quando havia convencido ele a acreditar numa pauta minha.
-- Me convenceu Williams. Mas estou cansado de reportagens que só falam que os nazistas são monstros. Quero ver o lado humano deles em especial deste último, que ainda está vivo.


O salão da Time Magazine fervilha. Fica num andar inteiro, sem paredes, somente uma ou outra coluna segurando a laje superior. Centenas de mesas e pessoas, telefones tocando sem parar, e uma ladainha eletrizante a medida que as notícias correm do mundo lá fora para os dedos nervosos dos jornalistas, que datilografam enlouquecidamente suas reportagens nos terminais verdes de computadores IBM, e depois vão parar nas prensas da revista para, semanalmente ganhar as ruas e voltar para as mesmas pessoas que geraram as notícias. Em 1986 gozávamos de muito prestígio, a revista encontrava-se num auge de vendas e estávamos acostumados a dar ‘furos’ de reportagem.
-- E o Moretti hein Williams? Não cabe em si – fala Jaqueline Carter, responsável pelo caderno celebridades. Sem dúvidas um caderno menos importante, resumindo-se à fofocas sobre os famosos. Ela é uma moça simpática e bonita e mal sabe que qualquer menção do Moretti faz um arrepio percorrer minha espinha.
-- É, sem dúvidas.
-- Do jeito que ele é todo ano ganhará um Pulitzer – grita John F (eram três Johns então cada um era referido como John alguma coisa) do outro lado da mesa dele. Meus olhos encontram os deles mas estou sem energia para tecer algum comentário.
A falação indiscernível impregna o salão, telefones tocando sem parar, pessoas andando apressadas em todas as direções. Esta é a vida de jornalistas que eu escolhi. Uma loucura diária que já me entusiasmou mais. Na época da faculdade romantizamos tudo. A minha fantasia é que eu seria um Clark Kent sem os poderes do super-homem: viveria atrás de notícias heroicas e, se não ‘pegasse’ todas as repórteres teria ao menos minha própria Lois Lane. Mas dos dias de estagiário até chegar à posição de repórter titular da pauta ‘Perfil’ foram muitos anos de ralação, muitos anos fazendo coisas irrelevantes – até horóscopos eu tive que escrever e olhe, ‘escrever’ não é bem o termos porque eu apenas reaproveitava horóscopos antigos da própria revista. Servi de office boy para os repórteres mais velhos, fiz muito clipping de jornais e revistas concorrentes, servi de telefonista, até de motorista ad hoc eu tive que atuar mas, enfim, cheguei aqui. E acho que gosto de minha vida, sempre gostei de farejar a reportagem, de sair atrás dela para, ao alcançá-la interpretar e publicar. Recebi algumas ameaças como quando escrevi sobre um advogado criminalista, Scott Herbert III, que defendia a máfia italiana de Nova Jersey mas, via de regra, minha vida profissional sempre foi sem maiores sobressaltos. Devo admitir que a única reportagem mais impactante que eu fiz foi o perfil do presidente Jimmy Carter mas nem assim fui indicado para o Pulitzer. De certa forma me acostumei com a ideia de que não nasci para ele e ele não nasceu para mim.


O telefone toca. Carla Beau Williams do outro lado. Alta, desengonçada, magra e com cabelos longos ondulados, louros e bonitos, resultando em certa beleza. Estamos casados a 15 anos. Ela tinha só 22 quando a conheci e no ano seguinte nos casamos. Foi numa aula que eu ministrava do curso de pós-graduação em jornalismo investigativo da New York University. Acho que ela se interessou mais por mim que eu por ela e em pouco tempo passamos do inocente café após o curso para drinks na noite de Nova Iorque. Carla mantém o hábito de frequentar a mesma igreja desde a infância – e talvez, por isto, sempre achou importante o conceito de família. Família com filhos e etc. Filhos nunca foram uma opção para mim mas mal não fariam e assim, após sete anos juntos, decidimos tentar.
Carla teve uma gravidez difícil. Na verdade foi mais de uma gravidez problemática. Na primeira vez que ela engravidou simplesmente não ‘segurou’ o recém fertilizado embrião. Sangrou de uma forma pavorosa numa noite de verão. Acordei com os gritos de dor dela e a cama toda ensanguentada. Corremos para o pronto socorro e soubemos que este projeto havia terminado ali, naquela noite, naquela poça.
Depois teve uma segunda gravidez que logo começou a apresentar dores e estranhamento. A esta altura ela já havia abandonado a faculdade de jornalismo – onde era professora assistente – para se dedicar ao projeto de ser mãe. Infelizmente desta vez foi ainda pior: descobrimos que ela estava com gravidez tubária. Neste caso a gravidez teve que ser interrompida para o bem da saúde de Carla e pela preservação de sua capacidade reprodutiva. Mas ela não aceitou bem. Entrou numa espiral descendente de depressão que, somente após longo tratamento psiquiátrico, conseguiu sair. Hoje ela trabalha com auxiliar de marchand numa importante galeria aqui da ilha e continua com seu projeto prioritário na vida que é engravidar.
-- Jim – só ela me chama de Jim. No trabalho sou sempre ‘Williams’.
-- Sim, Carla?
-- Quando você volta para casa? Preciso de você aqui – depois de sair da depressão Carla se tornou muito carente exigindo mais a minha presença.
-- O salão está uma loucura, Carla. O chefe aprovou minha pauta nova, tenho que me organizar, pensar como vou começar e arregaçar as mangas. Agora que Moretti se tornou o queridinho de todos tenho mais trabalho a fazer se quiser continuar com meu emprego.
-- Você tem pouco tempo para mim, Jim. Sabe que preciso de você, você me prometeu mais tempo, você prometeu uma viagem e além do mais tenho uma notícia para lhe dar.
-- Carla. Iremos viajar assim que der. Estou lhe dizendo que a pressão aqui aumentou enormemente desde que Moretti foi premiado, tenha um pouco de paciência.
-- Não aguento mais você me pedindo paciência. Você nem ao menos percebeu que eu lhe disse que tinha uma notícia para lhe dar?
Carla desligou. Desde sua depressão tenho prometido mais tempo para ela, viajarmos juntos - não saímos numa viagem de férias a uns 6 anos – mas a verdade é que ela me cansa, demanda mais energia que tenho para dar. Agora provavelmente está chorando e se for à casa da sua mãe neste estado tenho certeza que receberei um telefonema nada bom mais tarde da minha sogra.


Belinda é uma jovem jornalista, daquelas moças pequenas e agitadas que nunca param quietas. Ela é minha assistente, tem 22 anos e é recém formada pela prestigiosa Universidade de Nova Iorque, a NYU. Alias, todos os jornalistas da matriz, aqui em Nova Iorque, são da NYU. É regra da casa. Estamos juntos há uns seis, sete meses. Belinda já sabe como eu funciono e se tornou uma valiosa assistente.
-- Linda – chamo-a assim, uma abreviação de ‘Belinda – já para sala de reuniões. Temos trabalho à fazer.
Pegamos uma pequena sala de reuniões, são três destas dispostas nas laterais opostas do salão. Cada uma tem uma mesa e quatro cadeiras e geralmente são usadas pelos jornalistas titulares de cada sessão e seus assistentes.
-- Nossa pauta nova foi aprovada. Vamos fazer uma série de três reportagens com o perfil dos nazistas condenados à prisão perpétua ou inocentados no julgamento de Nuremberg. Sabe que julgamento foi este?
-- Oba. Claro! Sei tudo sobre nazismo – vangloria-se – ao final da Segunda Guerra Mundial foram realizados uma série de julgamentos, promovidos pelos aliados, para processar e condenar nazistas, militares e outros profissionais que colaboraram com as atrocidades. Fale-me um pouco sobre esta pauta. Já estou gostando!
Essa era Linda: sempre com um sorriso no rosto, pronta para mergulhar nas pautas que eu trazia. Tenho certeza que em algum momento do seu caminho profissional ela será realizada e reconhecida.
-- Então, muito já foi escrito sobre o nazismo e os nazistas, mas eu convenci Ray a autorizar esta pauta porque quero dar um enfoque diferente. O primeiro detalhe você já viu: quero tratar dos nazistas que não foram condenados à morte. Acontece que dezenas de livros, filmes e reportagens foram feitas sobre os condenados como Göring e Himmler. Isto já está mais do que batido. Agora, dos sobreviventes à Nuremberg – é assim que gosto de chama-los – pouco se falou. Você já ouviu falar, por exemplo, do homem que sucedeu Hitler no comando da Alemanha após seu suicídio: Karl Dönitz? Ou do seu braço direito Rudolf Hess que tentou a paz com a Inglaterra?
-- Não, realmente nunca ouvi falar destes dois. Que curioso..
-- Pois é. É isto que quero explorar quem são estes homens que sobreviveram à Nuremberg e que fim levaram.
-- Ótimo Williams, estou gostando.
-- Certo, mas agora é que você irá se entusiasmar de verdade: o último perfil que faremos é deste senhor que falei a pouco: Rudolf Hess. Hess foi o braço direito de Hitler por muitos anos. Esteve preso com ele quando Hitler escreveu Mein Kampf. Alias, a história diz que Hitler ditou seu livro para Hess. Hess estabeleceu as bases do nazi-fascismo junto com Hitler e Haushofer. Enfim, a parte mais entusiasmante que me referi é que Hess ainda esta vivo. Ele foi condenado à prisão perpétua e hoje, com 92 anos, ainda se encontra preso em Spandau na Alemanha.
Os olhos da Linda brilharam. Qualquer jornalista curioso, se preparando para escrever uma pauta histórica sabe que o personagem vivo é o melhor presente que pode receber.
-- Uau. Que incrível, chefe. Você pretende ir à Alemanha entrevista-lo? Quais as minhas tarefas? Quando começamos? Vamos, vamos, vamos!
-- Calma menina. Sim, pretendo ir à Alemanha assim que conseguir autorização para entrevistá-lo. Por incrível que parece até hoje ele só tem autorização para receber uma visita por mês. E pelo que andei pesquisando esta visita é de seu filho Wolf Rudiger Hess. Mas temos muito que fazer antes disto: quero preparar todos os outros perfis e quando finalmente for à Alemanha quero ter bastante material compilado sobre Hess.
-- Sua mulher no telefone Williams, é urgente – diz John F. Ao abrir a porta sem pedir licença e me interromper. Carla Beau Williams tem sempre a capacidade de me atrapalhar, me interromper.
-- Linda vá ao departamento de registros e comecei a organizar sua pesquisa sobre os julgamento de Nuremberg e os nazistas que não foram condenados à prisão perpétua. Quero saber tudo que temos em arquivos para organizar o seu trabalho de pesquisa.
-- Sim chefe.
Linda bate continência e sai como um raio. Sigo para minha mesa onde pego de forma enfadonha o telefone esperando mais um capricho de Carla. Mas tenho uma notícia inesperada. Não sei se positiva ou não mas definitivamente inesperada.
-- Oi Carla, o que houve agora?
-- Estou grávida Jim. Esta é a notícia que você nem se interessou em ouvir.

notas de rodapé:
[1] Em 23 de junho de 1985 o voo 182 da Air India explodiu sobre o Atlântico fazendo a rota Montreal-Londres matando todos à bordo. Foi o primeiro ataque terrorista a um jumbo 747 causando comoção internacional.


[2] Operação de resgate para tentar libertar 52 funcionários da embaixada Americana em Teerã mas que levou à morte de oito militares americanos.


[3] O ônibus especial Challenger explodiu em 28 de janeiro, 73 segundos após seu lançamento matando seus sete tripulantes.


[4] Julgamento pós Segunda Guerra Mundial dos líderes Nazistas.

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