segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Como matar a los negros

A frase dita pelo presidente paraguaio Francisco Solano López depois de receber na barriga o golpe de lança do cabo de ordens do coronel Joca Tavares, seu xará Francisco Lacerda – matem a esos diablos de macacos! –, é reveladora da idéia que seu governo queria fazer dos brasileiros no país.

Na época da guerra (1864-1870), no Paraguai, o negro era, antes de tudo, o inimigo. O exército brasileiro era o exército macacuno, e seus líderes, segundo a propaganda lopizta, macacos que pretendiam escravizar o povo paraguaio, conduzindo-os da liberdade à escravidão.


O imperador é definido como um gran macaco representado sempre com uma longa cauda, Caxias um descomunal sapo preto que se locomovia montado numa tartaruga. O Cabichuí, jornal do exército paraguaio, define o soldado brasileiro: "La palabra guaraní camba se aplica a los negros, y más genérica y propriamente al esclavo. Hablar de un brasilero es, pues, hablar de un camba bajo el punto de vista de su color y de su condición de esclavo, y aun mas propriamente de un camba para representar la ruindad, la pequenez, la miseria, el amilanamiento de esa raza despreciable que hasta es una afrenta para la especie humana" (Museo del Barro 1984, Cabichuí, n. 8, 1).

Na imprensa oficial, através do Cabichuí do El Centinela eram freqüentes chamadas como: "Así se cazam los negros"; "Fuego a los negros"; "Como matar a los negros"; "Ejercito macacuno jugando Carnaval"; "Látigo con los negros" etc.

Com base na propaganda poder-se-ia pensar que no Paraguai da época não existiriam negros nem escravos. Por conseguinte não existiriam, também, negros escravos ou ex-escravos no exército paraguaio.

A realidade era diferente. A escravidão não havia sido abolida do Paraguai. O que havia era uma lei do ventre livre promulgada em 1842 por Carlos Lopes, pai de Francisco Solano López. Os libertos da República, os que nasciam de Janeiro de 1843 em diante, deveriam, no entanto, trabalhar para seus senhores, patronos, os homens até a idade de 25 anos e as mulheres até os 24. Era uma liberdade bastante relativa, portanto.

O recrutamento sistemático de escravos no Paraguai inicia-se em setembro de 1865, apenas um ano depois do início da guerra, para preencher as baixas de feridos e de epidemias que assolaram o exército. Destacamentos formados por ex-escravos vindos do interior foram vistos em Assunção em meados de 1966 (Laurent-Cochelet, apud Rivarola, 1988:132). Este seria, no entanto, o segundo contingente importante de homens de cor – negros ou mulatos– incorporados ao exército. O primeiro foi integrado à Divisão que fez a invasão do Mato Grosso e da Argentina, em 1864 e 1865.

Em uma foto de oito prisioneiros paraguaios capturados em 1866 por Flores aparece um negro, com o gorro de couro dos soldados de infantaria pintado com as cores da República paraguaia.


Em setembro de 1866 outro grupo de escravos é alistado para preencher as graves baixas sofridas pelo exército paraguaio nas batalhas de Estero Bellaco e Tuyuti (2 e 24 de maio de 1866). Estes seriam os últimos no território paraguaio (Rivarola, 1988:132-133). Pode-se dizer, de maneira trágica, que a guerra acabou, de fato, com a escravidão no país. Sob o ponto de vista legal, a escravidão no Paraguai foi abolida pelo Conde D'Eu, "baseado em sua própria autoridade" (Schulz, 1994:71), então comandante das forças brasileiras, em setembro de 1869, depois da invasão de Assunção e da virtual, ainda que incompleta, vitória militar dos aliados.

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